Autora: Josianne Luise Amend (JosiLuA)
Ontem vi uma reportagem sobre a volta às aulas, as novas matérias e o que as crianças terão no ensino. Me dei conta que o mundo, pelo menos para mim, está fora do que eu considerava como meu futuro. Ou melhor, eu não faço mais parte deste novo mundo e toda sua transformação.
Percebo que vivemos ciclos e deles vamos colhendo histórias e transformando-nos. E alguns capítulos simplesmente ficam encrustados em nós. Não queremos nos desfazer deles, porque os amamos, nos fazem ser especiais e únicos.
Mas, muitos vão deixando de fazer sentido para outros ciclos e lutamos incansavelmente para manter as lembranças. Acabamos entristecidos pelas mudanças exageradas e fora do padrão que obrigatoriamente nos são impostas e que nossa alma, singelamente, se adaptara no primeiro ciclo com tanto empenho. E vamos nos sentindo deslocados no mundo.
Passei por uma época preconceituosa, com traços ainda de uma sociedade machista e patriarcal. Fui educada em colégio de freiras, pronta a ser uma dona de casa, com bons modos e tendo recato e cuidado com o próprio corpo. E aprendi que um homem provia e cuidava da família. As pessoas se conectavam pessoalmente, andávamos mais a pé em longos passeios com avós e tios, e dormir em colchões no chão ou com uma prima ou irmã numa cama de solteiro era diversão. Festas eram na garagem de casa e choviam amigos dispostos a te visitar. As "paqueras" se restringiam a olhares e bilhetinhos.
Num novo ciclo, tive que me adaptar a telex, computadores e bips que carreguei na cintura para ser encontrada. Empregos eram adquiridos com entrevistas diretas com o empregador ou futuro chefe. Pareciam mais autênticas. Provei o sabor de viajar sozinha e conhecer o mundo. Atravessava a cidade em quinze minutos para ir de casa à faculdade. Entendi que o machismo ainda acompanhava o ciclo, mas as mulheres começaram a se levantar das cadeiras e deixar à mesa o bastidor. E se tornaram belas e destemidas, porém ainda respeitando à si mesmas. A tecnologia progrediu e os celulares afastaram as pessoas, mesmo sendo mais fácil a comunicação. A cidade cresceu demasiadamente, junto com a ganância e a violência. Mas ainda assim, meus filhos puderam brincar nas ruas, correr com amigos e se divertir nas festas. Infelizmente as drogas também se uniram aos grupos jovens, modificando caráter e famílias. Mas as pessoas pareciam confiar mais umas nas outras.
Estou no que considero meu terceiro ciclo. A tecnologia está tão adiantada, que muita coisa talvez nem aprenda. As pessoas agora trabalham tanto, que só querem chegar em suas casas e relaxar. Festas deixaram de existir por causa do custo. Ninguém reúne as pessoas e quando convidamos, todos têm boas desculpas para não vir. Então a gente vai cansando e se entrega numa vida cheia de redes sociais, mas sem afeto e calor humano. O sexo, que eu conhecia como masculino e feminino, tornou-se multiplicado e nem entendo as palavras que designam as pessoas. Alguns homens se perderam e não conseguem ter dignidade. Mas o mesmo aconteceu com muitas mulheres, cheias de conversas emancipadas, porém frustradas e carentes. Todos parecem mais perdidos, querendo ser encontrados de qualquer jeito, seja lá o que precisarem fazer. Minhas netas não sabem o que é andar de bike na rua, pular amarelinha ou corda. Na idade em que eu ainda brincava de boneca, as crianças agora "ficam" pelos cantos de shoppings e colégios. O piquenique é na praça de alimentação e nem se interessam em recortar, pintar, mas em jogar na internet.
Continuo sendo o que sou, sem poder rir como ria, sonhar como sonhava e ter espaço no mundo. Este ciclo dói e começo a compreender o que seja a palavra idoso. Talvez não tenha tanta relação com nossa idade, mas com o que não conseguimos mais suportar carregar. Quando se vive em outros ciclos, se percebe a mudança rápida e radical que a Terra está vivendo. Dependendo do que se leva no coração, não podemos ou queremos mudar. Estamos cansados, não adianta lutar contra o inevitável. A adaptação é sorrateira e fria, mas a tentativa é sempre válida a fim de nos levar com alguma dignidade até o ponto final.
Sinceramente, não sei dizer se todo progresso é benigno e se a loucura que escarnece de cada um de nós, que se diz humano, vai deixar que se sustente a vida neste planeta. Me sinto em um plano que não encaixa mais meu aparelho e sobreviver vendo tanta tristeza e dor, amarguras e sofrimentos, descaso e destruição tá sendo extremamente difícil para quem imaginava que o mundo teria mudanças de consciência libertadoras.
NAMASTÊ